Velho Oeste: conheças as quatro estruturas narrativas proposta por Will Wright

Velho Oeste: O Western do Faroeste

O autor Will Wright propôs quatro estruturas narrativas para classificar e analisar os filmes de Velho Oeste. Conheças todas elas nesse texto.

Filmes de Westerns, ou em bom português Faroeste, sempre foram um sucesso em Hollywood. Seja para reforçar o mito da criação da nação estadunidense, seja para questioná-lo, esse gênero desperta o interesse do público desde as origens do cinema.

Esse interesse não ficou reservado as sessões de cinema. De fato, a história do “Velho Oeste” é tema de pesquisa em muitos Universidades não apenas nos Estados Unidos.

E os filmes são uma boa fonte de pesquisa historiografia. Portanto, é um passo lógico que pesquisadores se utilizem dos filmes do gênero western em suas pesquisas.

Will Wright e sua estrutura do Velho Oeste

Um desses pesquisadores foi Will Wright, que tentou criar uma estrutura para analisar os mais variados filmes de Velho Oeste.

No seu livro, “Sixguns & Society: a Structural Study of the Western”, ele defende que os Westerns podem ser categorizados em quatro tipos levando-se em consideração sua estrutura, quais sejam:

  1. O enredo clássico;
  2. O tema de transição;
  3. A variante de vingança;
  4. O enredo profissional.

Mas, vale notar que o autor analisa filmes que foram lançados entre 1931 e 1972, o que exclui produções mais recentes, lançadas após esse período e que não necessariamente se encaixam em um desses tipos.

Além disso, a análise dos filmes dependia da possibilidade do autor de assistir aos filmes nas salas de cinema ou na TV, uma vez que inexistiam outras formas de distribuição, como as atuais (streaming, mídia física: DVD, Blu-ray, etc). Com isso, se fazia necessário um esforço maior de memorização, que pode acarretar em erros, distorções ou simplificações narrativa.

Portanto, com tais objeções postas, vale reforçar que essa é uma estrutura de classificação, cunhada por um autor específico em um período específico. Posição que inclusive já foi questionada e refutada por autores posteriores. Ou seja, não se trata de uma visão única. Entretanto, é um ponto de partida interessante para quem quer começar a analisar os filmes com um viés mais aprofundado.

Filmes analisados

Como já foi dito anteriormente, Wright analisou filmes produzidos e lançados entre 1931 e 1972.

Em sua classificação estão Cimarron (1931) e Shane (1953), como enredo clássico; Stagecoach (1939) como variante da vingança; High Noon (1952) como tema de transição e The Alamo, (1960) como enredo profissional.

Vamos então analisar como o autor divide esses enredos com base na estrutura de seus roteiros.

O Enredo Clássico

A primeira categoria proposta por Will Wright é a do chamado enredo clássico (the classical plot). Segundo o autor essa categoria pode ser descrita como “o protótipo de todos os westerns”.

Esse tipo de enredo saturou as produções de western entre as décadas de 1930 e 1950. Por isso, é o definidor do western enquanto gênero cinematográfico e os demais enredos serão construídos a partir desse pilar.

Wright postula como ponto central na trama para essa estruturação a posição do herói perante a sociedade. Isto é, o herói está no exterior ou interior da sociedade a qual ele defende?

O autor resume a estrutura geral de todos os filmes que classifica como “enredo clássico”, eles Shane (Os Brutos Também Amam) de 1935, e propõe a seguinte estrutura narrativa:

  1. O herói entra em um grupo social;
  2. O herói é desconhecido da sociedade;
  3. O herói é revelado como dotado de uma habilidade excepcional;
  4. A sociedade reconhece uma diferença entre si mesma e o herói; ao herói é dado um status especial;
  5. A sociedade não aceita completamente o herói;
  6. Há um conflito e interesses entre os vilões e a sociedade;
  7. Os vilões são mais fortes que a sociedade; a sociedade é fraca;
  8. Há uma forte amizade ou um respeito mútuo entre o herói e um vilão;
  9. Os vilões ameaçam a sociedade;
  10. O herói evita envolvimento no conflito;
  11. Os vilões põem um amigo do herói em perigo;
  12. O herói luta com os vilões;
  13.  O herói derrota os vilões;
  14. A sociedade está segura;
  15. A sociedade aceita o herói;
  16. O herói perde ou desiste de seu status especial.

De acordo com o autor, essas funções alteram-se em sequência, importância e duração, de um filme para o outro, porém todas estariam presentes no Western Clássico.

A Variante de Vingança

Após o enredo clássico, Wright analisa o que ele chamou de “A Variante da Vingança”. A principal diferença dessa variante para o “Enredo Clássico” é a maneiro pela qual o herói protagonista se posiciona em relação a sociedade que precisa defender.

Se no enredo clássico o herói é desconhecido da sociedade, na variante de vingança ele já está inserido na mesma desde o início da trama,

As funções narrativas dessa variante, portanto, seriam:

  1. O herói é ou era um membro da sociedade;
  2. Os vilões fazem mal ao herói ou à sociedade;
  3. A sociedade é incapaz de punir o vilão;
  4. O herói busca por vingança;
  5. O herói deixa a sociedade;
  6. Revela-se que o herói detém uma habilidade especial;
  7. A sociedade reconhece uma diferença entre si mesma e o herói; o herói recebe um status especial;
  8. Um representante da sociedade pede ao herói para desistir de sua vingança;
  9. O herói desiste de sua vingança;
  10. O herói luta com os vilões;
  11. O herói derrota os vilões;
  12. O herói desiste de seu status especial;
  13. O herói é introduzido na sociedade.

Para Wright, Stagecoach (Nos Tempos da Diligência), western famoso por jogar John Ford para o estrelato, é um exemplo completo da variante da vingança.

Ringo Kid (John Ford), quer vingar a morte de seu pai e seu irmão, mortos pelas mãos do bando de Luke Plummer (Tom Tyler). Contudo, antes do início da trama Ringo e sua família eram rancheiros donos de gado.

No decorrer do filme, Dallas (Claire Trevor) e outras personagens insistem para que Ringo desista de suas intenções. Ao final, o herói e Dallas partem juntos “com as bênçãos da civilização” para construírem uma vida a dois, participando da sociedade. Dessa vez, porém, regenerados de seus pecados.

O Tema de Transição

O terceiro tipo de narrativa que Will Wright apresenta é chamado de tema de transição.

De acordo com ele, somente três longas com arrecadações de bilheteria significativas nos anos analisados se encaixam neste padrão: High Noon (Matar ou Morrer) de 1952, Broken Arrow (Flechas de Fogo) de 1950 e Johnny Guitar de 1956.

O autor não apresenta uma estrutura padrão para esses longas, uma vez que, esse tipo de filme marca uma mudança sutil que encaminhará para a última estrutura proposta, o Enredo Profissional. Contudo, podemos destacar alguns pontos colocados pelo autor na análise dos filmes, a saber:

  1. O herói tenta usar sua força especial para defender uma cidade fraca de vilões fortes;
  2. A cidade se volta contra o herói e ele é forçado a se defender da traição;
  3. O herói precisa lutar sozinho contra os vilões;
  4. As chances do herói são pequenas;
  5. Ao derrotar os vilões o herói salva a cidade;
  6. O herói decide abandonar a cidade;
  7. Ao abandonar a cidade o herói leva com ele uma mulher.

Wright afirma que estes filmes representam uma passagem entre os enredos mais convencionais e aqueles que proliferarão após a década de 1960 sob o padrão do enredo profissional. Portanto, essa estrutura seria uma espécie de passagem que não criou raízes em Hollywood.

O Enredo Profissional

Por fim, Wright propõe a substituição do Tema de Transição para o Enredo Profissional, que se torna a estrutura dominante a partir de 1958, ano de lançamento de Rio Bravo (Onde Começa o Inferno).

Este modelo de narração predominaria a partir de então no chamado de Novo Western. Pelo menos até esse ser revisitado pelas ondas posteriores de cineastas.

Wright postula algumas funções narrativas para encaixar os filmes nessa estrutura narrativa. São elas:

  1. Os heróis são profissionais;
  2. Os heróis aceitam um trabalho;
  3. Os vilões são muito fortes;
  4. A sociedade é ineficaz, incapaz de defender-se a si mesma;
  5. O trabalho envolve os heróis em uma luta;
  6. Todos os heróis têm habilidades e um status especiais;
  7. Os heróis formam um grupo para o trabalho;
  8. Os heróis enquanto grupo compartilham respeito, afeição e lealdade;
  9. Os heróis como um grupo são independentes da sociedade;
  10. Os heróis lutam contra os vilões;
  11. Os heróis derrotam os vilões;
  12. Os heróis permanecem (ou morrem) juntos.

Considerações Finais

A consideração final é que não há consideração alguma. Eu quibei esse texto integralmente da tese de doutorado do Rafael Borges, intitulada “Como o Oeste se Perdeu: Representação, Nação e Modernidade no Novo Western”. Achei interessante a análise que a tese faz das estruturas propostas por Will Writght.

Eu me peguei lendo essa tese para uma pesquisa para o InduTalk, o podcast aqui da casa, (mas mais também por conta do meu mais recente hiperfoco em filmes de Velho Oeste) e achei que seria legal compartilhar essas divagações com vocês.

Espero que vocês tenham curtido e passem a olhar o Velho Oeste com outros olhos, inclusive para criticar essa visão estruturalista proposta por Wright.

Referências

Bem como eu já disse, esse texto é uma cópia descarada da tese do Rafael Borges: “Como o Oeste se Perdeu: Representação, Nação e Modernidade no Novo Western”, apresentada a Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás em 2015.

Além disso, eu complementei o texto um pouco com uma das fontes usadas na tese, o livro de Will Wright, Sixguns & Society: a Structural Study of the Western.” –  Los Angeles: University of California Press, 1997.