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O Mito de “Jolly” Jack Kirby | Mentiras que contam sobre o “Rei dos Quadrinhos”

O mito de "Jolly" Jack Kirby

Há já algum tempo a figura de Jack Kirby e sua importância para a nona arte vem sendo redescobertas, mas uma espécie de mito de “Jolly” Jack Kirby ainda persiste. Então, conheça nesse post algumas mentiras que te contaram sobre o “Rei dos Quadrinhos”.

Disclaimer: Esse texto foi escrito por Steven Brower e publicado originalmente no site do “The Kirby Museum” e traduzido para o português pela equipe editorial do InduTalks.

Em um artigo de 2013 da TIME magazine, o autor Graeme McMillan descreveu que “No seu ápice, Kirby criou a cultura pop como conhecemos hoje. Tantas ideias e personagens conhecidos atualmente foram moldados de uma forma básica e importante pelo trabalho de Kirby… Jack Kirby desenhou o século 21, décadas antes dele acontecer.”

Embora artigos como este tragam ao conhecimento do grande público as contribuições notáveis de Jack Kirby para os quadrinhos e para a cultura pop em geral, ainda existe uma infinidade de desinformação acerca de suas realizações. Eis alguns mitos que se repetem continuamente sobre o “Rei dos Quadrinhos”.

 Stan Lee tornou Jack Kirby famoso por creditá-lo como “Jolly Jack” nos anos 60.

Esse é um mito comum acerca de “Jolly” Jack Kirby, especialmente entre os “baby-boomers”, quecresceram acreditando que o mundo começa e termina com eles, assim como todas as gerações antes e depois deles. A verdade é que Kirby já era parte da dupla melhor paga e conhecida nos quadrinhos desde o começo da mídia nos anos 1940. E recebia constantemente créditos em páginas duplas ao longo dos anos 40 e 50. De acordo com o historiador Jon B. Cooke, “a marca “Simon & Kirby” era a mais reconhecida entre os leitores mais ávidos durante os anos 40, possivelmente atrás apenas de “Walt Disney”, e certamente rivalizando com a “Siegel & Shuster”, dos criadores do Superman.”

Felizmente, algumas editoras como Titan, Fantagraphics e Yoe Books estão corrigindo essa visão distorcida sobre o mito de “Jolly” Jack Kirby, reimprimindo os trabalhos iniciais de Simon e Kirby.

Nota da tradução: Ainda não há notícias sobre lançamento dessas obras no Brasil.

Kirby era antes de tudo um desenhista

Na verdade, Kirby era um contador de histórias que escrevia seus próprios roteiros desde o início de sua carreira. Conforme observado pelo escritor e cartunista Michael Neno, “A experiência comprova. Tudo o que qualquer um familiarizado com o trabalho de Jack nos anos 70 precisa fazer é ler muitos dos quadrinhos desenhados por ele nos anos 40 e 50. Esses atributos de sua escrita dos anos 70 já estavam presentes, embora um pouco mais latente. Assim como os tiques e métodos do estilo artístico de Jack se tornaram mais pronunciados conforme as décadas passavam, o mesmo aconteceu com sua escrita.

Ele não perdeu sua habilidade de escrever, mas seu estilo de escrita de fato mudou ao longo de um período tão grande de tempo. De suas tirinhas “Your Health Comes First” nos jornais em 1938 (usando remédios caseiros e dicas que aprendeu com sua mãe) ao potente e sombrio “Capitão Vitória” em 1981, Jack roteirizou, de uma forma ou outra, a maior parte do que passou por sua mesa e muitos dos diálogos dos quadrinhos nos seus dias de ‘Simon e Kirby’.”

De fato, as testemunhas desses primeiros dias concordam. Os escritos que trabalharam para Simon e Kirby, Kim Aamodt e Walter Geier em suas respectivas entrevistas com Jim Amash para a Alter Ego, disseram exatamente isso.

Aamodt

“É realmente suava para escrever os roteiros, ao contrário de Jack Kirby. Jack apenas se inspirava e surgia com as ideias, e Joe meio que acenava com a cabeça em concordância. A expressão de Jack parecia se energizar quando escrevia, ao ponto de parecer que faíscas voavam dele. Joe era mais pé no chão, enquanto Jack tinha a cabeça nas nuvens. Jack era mais do tipo artista; ele tinha grandes instintos.”

Geier

“Jack Kirby era ótimo nisso; ele sempre surgia com roteiros. Ele possuía uma mente fértil. […] Jack era o cara das ideias. Joe não falava muito. Ele criava roteiros decentes, mas geralmente eram coisas muito superficiais. Muitas vezes Joe dizia: ‘Ah, você encontra uma solução para esse final.” Jack então me dava o final do roteiro, pois ele era muito bom em finalizar as histórias. Não era difícil para Jack. Aqueles eram roteiros do Jack, eu apenas fornecia os diálogos.”

Do mesmo modo, Gil Kane também comentou algo similar em uma entrevista com Gary Groth para o The Comics Journal.

Kane

“Simon era um homem de negócios. Ele lidava com toda a movimentação, todas as conversas, fazia tudo isso. Jack estava sempre sentado e trabalhando. Ele pegava os roteiros e os escrevia ou reescrevia ele próprio. Jack era simples e trabalhava duro. As ideias simplesmente vinham até ele. Simon era um cara legal, muito mais realista.”

“Joe estava envolvido com o processo criativo e era quem lidava com toda a negociação. Ele não escrevia – era Jack quem escrevia. Jack ou escrevia um roteiro novo ou pegava algum roteiro pronto e o ajustava.”

Tal tradição continuou na Marvel nos anos 1960. De acordo com o artista e colorista Stan Goldberg, que trabalhou nos quadrinhos de Archie e da Marvel:

“Jack se sentava durante o almoço e nos contava essas ótimas ideias sobre o que ele faria a seguir. Era como as ideias explodissem de cada poro de seu corpo. Era muito interessante porque ele era como uma fonte de ideias.”

O biógrafo de Kirby e seu antigo assistente, Mark Evanier posteriormente elaborou que:

“Ele [Jack Kirby] não se importava se as pessoas diziam “Oh, que imagens legais!” Isso não despertava nele nenhuma alegria. Ele queria que as pessoas dissessem: “Que história incrível!”

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Lee e Kirby eram o Lennon e o McCartney dos quadrinhos

Embora essa analogia seja usada ad nauseam, nada poderia estar aquém da verdade. John Lennon e Paul McCartney eram amigos de infância e colegas de banda, que cresceram juntos em Liverpool. Ao longo dos anos eles colaboraram em centenas de músicas, lado a lado, como é comum para compositores.

Jack Kirby era um freelancer que trabalhou em casa durante os anos em que atuou na Marvel. Apesar da decisão judicial (que esperamos que seja anulada), Kirby era um quadrinista independente. O mito da Marvel Bullpen (Boletim do Curral da Marvel, numa tradução livre), propagado por Lee em seu “Stan’s Soapbox” na seção de cartas dos leitores, simplesmente não existia. No final dos anos 1950 e início dos anos 1960, Lee trabalhou em seu próprio escritório na Marvel, e depois se uniu a Sol Brodsky como gerente de produção. Todos os outros artistas, roteiristas, arte-finalistas e letristas trabalhavam como freelancer em outros lugares, até o final daquela década. Kirby nunca se juntou a eles.

Segundo o próprio Kirby: “Não havia roteiros. Eu criei os personagens e escrevia as histórias em minha própria casa e apenas trazia tudo para o escritório todos os meses.”

Como evidenciado pela pesquisa do historiador dos quadrinhos Mike Gartland em sua série “A Failure to Communicate” (“Uma Falha de Comunicação” em tradução literal) no The Jack Kirby Collector (Twomorrows Publishing) e no site do Kirby Museum, o trabalho de Kirby e Lee muitas vezes entrava em desacordo, muito diferente do de Lennon/McCartney.

Jack Kirby arte-finalizou muito pouco de seu próprio trabalho

Por anos a fio se assumiu outro mito acerca de “Jolly” Jack Kirby, o de que Joe Simon arte-finalizou os desenhos de Kirby nos anos 40 e 50 na Simon e Kirby. Apesar disso, descobertas recentes sugerem uma versão alternativa a história. Kirby finalizou muito do seu próprio trabalho ao longo das décadas e continuou a fazê-lo na DC em meados dos nãos 50. Isso mudou na década de 1960 devido à demanda extremamente alta para Kirby fornecer os enredos e arte na Marvel.

Em uma entrevista com Amash, o artista da S&K, Jack Katz descreveu as instruções de arte-finalização que recebeu de Kirby em pessoa.

“Ele me mostrava como aplicar tudo isso a figuras e objetos. Ele dizia “Você tem que fazer tudo tridimensional. O que você tem que fazer é garantir que você terá áreas escuras atrás das linhas, sempre uma área escura atrás da linha. Pode ser emplumado. Se você trouxer a luz para o lado direito, certifique-se de que o lado oposto está cuidadosamente delineado. Se quer mostrar drama real, a fonte de luz deve vir de cima, assim os olhos e a boca estarão nas sombras, se você quer fazer um carniçal real… então ele virava a página e desenhava um rosto, ele me mostrava como a luz vinda debaixo destaca a estrutura óssea. Ele me mostrava como variar texturas, ele dizia “cortinas devem parecer delicadas.” Ele me mostrava como fazer tudo com um pincel.”

Esses são apenas alguns mitos acerca de “Jolly”Jack Kirby. Esperamos ter contribuído para desfazer alguns enganos comuns e colaborar para o reconhecimento do “Rei dos Quadrinhos” em língua portuguesa.

Aproveita e confere O que Alan Moore realmente pensa sobre Stan Lee Jack Kirby.

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