Ruptura e a negociação com o patrão

Recentemente eu assisti a série Ruptura. Que pra minha surpresa é muito boa. Sério eu fiquei viciado e assisti todos os 9 episódios em 2 dias. E acho que Ruptura pode nos ensinar algo sobre a negociação com o patrão.

A série é protagonizada por Adam Scott, um daqueles atores de comédia romântica que vc jura que conhece, mas não sabe citar um filme em que ele aparece, mas que agr está fazendo dramas cults e tá mandando super bem.

Aliás, um dia eu ainda quero fazer um texto sobre esse arquétipo de ator que sai da comédia e arrasa nos dramas intelectuais – sério tem vários: Jim Carrey, Adam Sandler, Steve Carell, Ben Stiller, etc.

Falando em Ben Stiller, ele produz a série e dirige alguns dos episódios. Mas veja já fugi total do assunto.

Trama de Ruptura

A trama é basicamente a história de uma empresa que desenvolve uma tecnologia capaz de separar as memória dos trabalhadores dos momentos dentro e fora do trabalho. Tecnologia apelidada de Ruptura. Daí o nome da série.

Ou seja, quando os funcionário entram na empresa, eles não se lembram de nada do que acontece no mundo exterior. E quando saem, não se lembram de nada que fizeram durante o expediente.

Isso cria duas “personalidades” pra cada trabalhador. Os “internos”, suas personas do trabalho, e os “externos”, isto é, as pessoas foram do escritório. As duas não se conhecem e nem podem se comunicar.

Afinal, a empresa, chamada Lumon, proíbe que os seus empregados enviem recados para os seus “externos”. O que cria situações bem tensas.

Por exemplo, caso você queira se demitir, você precisa convencer seu eu “externo” disso. Mas como, se ele não sabe que você é infeliz no emprego? Afinal, ele não sabe de nada que acontece lá.

Ruptura e Negociação com o Patrão

Tá, mas o que isso tudo sobre Ruptura tem a ver com a negociação com o patrão? Bem, segundo minha análise free-style, várias coisas.

Em primeiro lugar, a Lumon só aceita pessoas desesperadas para fazer esse processo de Ruptura. Um professor que perdeu a esposa num acidente de carro, um cara solitário que perdeu o filho, etc.

E a materialidade nos mostra que quanto mais desesperada uma pessoa está, mais ela tende a se submeter a trabalhos degradantes por salários irrisórios.

Tomemos o exemplo de travestis e mulheres trans, que por diversos motivos são marginalizadas da sociedade e do mercado de trabalho e acabam tendo que recorrer à prostituição para buscar o sustento.

E é por isso que o desemprego é fator disciplinador e estruturante no capitalismo. Isto é, é impensável acabar com o desemprego, pois ele mantém a classe trabalhadora refém.

Afinal, se você não quiser esse emprego no qual você será extremamente explorado e mal pago, existe um contingente enorme de desempregados (exército de reserva) que está disposto a aceitar.

Além disso, você pode perguntar a qualquer economista liberal e verá que mesmo nos cenários tidos como “pleno emprego” ainda há uma taxa de desemprego. Geralmente 5%.

Condições de Trabalho

Ainda na série, a Lumon esconde informações das personas “externas” de seus empregados.

Por exemplo – sem querer dar muito spoiler – em algum momento da trama o personagem de Adam Scott, o Mark, é atingido na cabeça por um objeto voador e se machuca.

Sua versão “externa” não se lembra do ocorrido. Mas ao chegar a seu carro no estacionamento é avisado por um bilhete que ele caiu e bateu a cabeça. O que é mentira.

Mas por que a empresa faz isso? Por diversos motivos. Relações Públicas, evitar investigações. Mas principalmente para manter seus empregados na linha.

Durante o expediente os funcionários são subordinados e diversos tipos de abusos verbais, psicológicos e às vezes até mesmo físicos.

Porém suas versões “externas” não sabem das humilhações e dos assédios. Portanto não podem fazer nada a respeito.

Isso me lembra muitos casos de violência que as empresas cometem contra os funcionários. E eu não digo apenas de casos específicos de assédio por parte de chefes diretos.

Há vários relatos de empresas do porte da Amazon proibindo seus funcionários de irem ao banheiro ou coagindo os trabalhadores a não se organizarem em sindicatos.

Tudo isso para alavancar a produtividade. Além disso, quando você não está organizado fica muito mais fácil de a empresa te passar a perna. Afinal, a corda sempre arrebenta no lado mais fraco.

Por fim, a coação sempre resultava em algo benéfico para a Lumon. Até porque né. Capitalismo.

Materialidade

O que eu quero dizer com tudo isso? Que esse discurso liberal de negociar direito com o patrão parece muito bonito na teoria, mas na prática não se sustenta.

É só pegar o exemplo da Reforma Trabalhista, que foi vendida como uma modernização das leis trabalhistas e prometia mais liberdade para negociar direto com o patrão. Mas na prática só resultou em mais precarização e uberização de todas as profissões.

Portanto, gente do mal, não caiam nessa. Para haver negociação justa é preciso que haja equilibrio de forças e isso só acontece quando a classe trabalhadora se une e se organiza de maneira efetiva e politizada.

Bem, essa foi minha nada concisa análise de Ruptura. E olha que eu não falei sobre a estética (até por que é um campo que eu não domino), nem sobre a questão moral de manter uma outra versão sua presa no trabalho, ou da sátira ao discurso motivacional neoliberal de vestir a camisa da empresa, nem do culto a personalidade bizarro que rola com o fundador da Lumon.

Mas vou dizer uma coisa a mais que me incomoda. É que a série é uma crítica social fueda, porém é uma produção da Apple. REPITO. Da Apple. E eu só consigo lembrar desse discurso Ricky Gervais no Globo de Ouro

Séries críticas e “progressistas” e eu algum sentido até anti-capitalistas feitas por mega corporações capitalistas. Como isso?

Aí eu lembro desse vídeo da SoberanaTV sobre como o Capitalismo vai lucrar com tudo, até mesmo com seu anticapitalismo.

Enfim, não sei como terminar esse texto sobre Ruptura e a negociação com o patrão. Mas é isso aí. Bebam água, se organizem e sigam o InduTalks nas redes sociais.