HBO Max e o porque a propriedade intelectual é um lixo completo

A mais nova decisão de Zaslav de remover uma tonelada de conteúdo da HBO Max é mais uma prova de que a propriedade intelectual nos moldes capitalistas é um lixo completo.

Nos últimos dias a internet está em polvorosa com os rumos que a Warner Discovery vem tomando. Afinal, o estúdio cancelou filmes quase prontos, cancelou animações aclamadas e deixou os fãs, especialmente da DC, de cabelo em pé. Mas, mesmo assim anunciou a sequência de Coringa, com Joaquin Phoenix, Todd Philips e Lady Gaga, um filme que não precisava de continuação.

E agora a notícia que pegou todo mundo de surpresa foi a de que a empresa vai retirar muita coisa do catálogo da HBO Max. Ok, sejamos sinceros, isso não é bem uma surpresa. Até porque, desde que assumiu o cargo de dono da p0rra toda, David Zaslav vem dizendo que vai enxugar as contas, fechar a torneira. Enfim, economizar tem sido a palavra de ordem.

Propriedades Removidas

As notícias vêm da Deadline, que afirma que a bola da vez do facão de Zaslav são as animações e o conteúdo não-roteirizado, isto é, reality-shows e programas de variedade.

Ou seja, o bom leitor a essa altura já se ligou o que está acontecendo. Uma tonelada de produções originais da Cartoon Network e HBO estão sendo limados do catálogo do serviço de streaming.

Confira abaixo as últimas vítimas dessa política:

  • 12 Dates of Christmas
  • About Last Night
  • Aquaman: King of Atlantis
  • Close Enough
  • Detention Adventure
  • Dodo
  • Ellen’s Next Great Designer
  • Elliott From Earth
  • Esme & Roy
  • The Fungies!
  • Generation Hustle
  • Genera+ion
  • Infinity Train
  • Little Ellen
  • Mao Mao, Heroes of Pure Heart
  • Messy Goes to Okido
  • Mia’s Magic Playground
  • Mighty Magiswords
  • My Dinner with Herve
  • My Mom, Your Dad
  • Odo
  • OK K.O.! – Let’s Be Heroes
  • The Ollie & Moon Show
  • Pac-Man and the Ghostly Adventures
  • Ravi Patel’s Pursuit of Happiness
  • Select Sesame Street Specials
  • Make It Big, Make It Small
  • Share
  • Squish
  • Summer Camp Island
  • The Not-Too-Late Show with Elmo
  • The Runaway Bunny – Special
  • Theodosia
  • Tig n’ Seek
  • Uncle Grandpa
  • Victor and Valentino
  • Yabba Dabba Dinosaurs

Os motivos para eles fazerem isso são muitos: redução de impostos, custos com direitos autorais e até manutenção de servidores.

Mas, no final do dia, o principal motivo pelo qual eles fazem é isso é um só. Porque eles podem.

Propriedade Intelectual é um lixo

Sim, essas palavras são forte. Ainda mais se você que está lendo é um artista independente, que sofre pra viver da sua arte.

Contudo, o fato é um só. A Lei de Propriedade Intelectual é uma bomba. Ela não serve para proteger os interesses dos artistas.

A propriedade intelectual na teoria foi criada para proteger os direitos dos inventores e artistas. A tradição diz que o germe desse conceito surgiu em Veneza no século XV. Mas conforme o capitalismo foi espalhando seus tentáculos pelos, mais organizações internacionais foram sendo criadas para garantir não só os Direitos Autorais, mas também a Propriedade Intelectual.

A Propriedade Intelectual diz respeito a tudo que é produzido pela indústria e que não é material, isto é, ideias, conceitos, marcas, esquemas, fórmulas, plantas, etc. Tudo que é essencial para a manutenção das indústrias. Já o Direito Autoral versa propriamente sobre obras culturais: livros, filmes, quadrinhos, etc.

São duas aplicações diferentes, porém o princípio é o mesmo. Garantir o controle de megacorporações sobre o ecossistema intelectual de uma época. No discurso tudo é muito bonito “proteger os criadores”, mas na prática é apenas preservar o lucro das empresas.

Mickey e os Direitos Autoriais

Peguemos o exemplo mais paradigmático: o Mickey Mouse. Esse rato já deveria ter entrado em domínio público há muito tempo. Isto é, sua primeira versão deveria ter entrado em domínio público há muito tempo.

Cair em domínio público significa que qualquer um pode fazer arte com o personagem, sem precisar pagar direitos autorais e sem ser censurado por interesses privados. No Brasil, salvo engano, uma obra entra em domínio público 70 anos após a morte do autor, ou de seu lançamento (para obras audiovisuais).

Nos Estados Unidos, o presidente Bill Clinton sancionou em 1998 uma lei que estendia retroativamente o prazo para 95 anos. Garantindo, assim, os interesses das empresas que controlavam os direitos de grandes propriedades intelectuais.

E é justamente aí que entra o Mickey. A primeira versão do personagem apareceu no curta-metragem “Steamboat Willie”, da Walt Disney Estúdios de 1928. As regras estadunidenses da época garantiam os Direitos Autorais por até 56 anos após o lançamento da obra.

Mickey, Lei e Lobby

Na teoria, essa versão do Mickey deveria ter entrado em domínio público em 1984. Porém, é óbvio que isso não aconteceu. Em 1976, o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma lei que alterava essa política, aumentando para 75 anos a garantia dos Direitos Autorais.

E advinha quem estava fazendo lobby para aprovação dessa lei? Isso mesmo: a Disney.

Nessa nova regra, a primeira versão do Mikey entraria em domínio público em 2003. Mas, novamente, não foi isso que aconteceu.

Em meados dos anos 90 o lobby da Disney voltou forte. Nos Estados Unidos existe uma lei que permite que empresas privadas doem para a campanha de políticos. O Canal Tech Insider afirma que as doações políticas da Disney mais que dobraram em 1996, com relação ao ano anterior. E se manteve nesse patamar até 1998.

O CEO da Disney na época Michael Eisner, era visto frequentemente nos escritórios de políticos.

E em 1998, apenas cinco anos antes do prazo da Disney expirar como já citamos, foi aprovada a lei que estendia ainda mais esse prazo. Com essa nova lei, as produções criadas a partir de 1923 e que ainda estavam protegidas pela Lei de Direitos Autoriais 1998, só cairiam em domínio público a partir de 2019.

Ou seja, a Disney ganhou ainda mais tempo para lucrar com a figura do Mickey. Afinal, as estimativas são de que só a figura do Mickey vale 3 Bilhões de dólares. Isso mesmo 3 bilhões, com “B” de bola, de doletas.

Leia Também: Opinião Pública x Público Alvo: decisões importantes na hora de produzir uma obra da Cultura Pop

Propriedade Intelectual x Artistas

A Disney foi a mais ousada no lobby com os congressistas dos Estados Unidos, mas, com certeza, não foi a única. Ela foi a cara, teve consciência de classe, digamos assim. Contudo, suas ações favoreceram muitas megacorporações, como a Marvel, DC, Universal Pictures, MGM, Warner e tantas outras.

Até porque não fosse a pressão da Disney, que resultou em alteração da lei, Batman, Superman, Homem-Aranha, Luke Skywalker, As Tartarugas Ninjas e tantos outros personagens já estariam em domínio público há muito tempo.

Mas, se não fosse a Disney, seria alguma outra. Pois, trata-se da sobrevivência de um monopólio. E quando o assunto é lucro, a banca sempre ganha.

Então, da próxima vez que você ouvir a balela de que Propriedade Intelectual garante os direitos dos artistas, repense. Pois, no modelo atual as leis de Direitos Autorais apenas protegem os lucros de empresas multibilionárias, que geram contratos cada vez mais absurdos para seus artistas com o intuito de formar verdadeiros monopólios culturais.

Não a toa a DC lucra horrores com Batman e Superman, mas a família dos autores teve de entrar na justiça para receber sua parte dos Direitos Autorais.

O mais irônico de tudo isso é que a maioria dos grandes sucessos comerciais da Walt Disney Pictures foram adaptados do domínio público. Branca de Neve, Cinderela, A Bela Adormecida, Aladdin, Hércules, Pinóquio, Alice no País das Maravilhas, O Corcunda de Notre Dame e muito, MUITO mais veio do Domínio Público.