Coringa: um debate sobre a natureza humana

Coringa (2019) é mais do que um filme baseado em quadrinhos. É um ensaio filosófico sobre a sociedade. É um debate sobre a natureza humana.

Em 03 de Outubro de 2019 irá estrear nos cinemas de todo o mundo Coringa, o filme do palhaço do crime. A hype pra esse filme está na estratosfera. Com Joaquim Phoenix, no papel principal, Robert de Niro, Zazie Beetz e direção de Todd Philips, não tinha como ser diferente.

O Coringa e a Sociedade

E alguns dias atrás eu vi um meme no instagram (não o encontrei mais, se achar posto aqui) que comparava a criação do Coringa nos quadrinhos com a origem do personagem no filme, levando em conta a história proposta por Allan Moore em A Piada Mortal e as cenas vistas no trailer liberado recentemente. Na legenda estava escrito: “Criando o Coringa em 1988: Jogue-o num tanque de produtos químicos. Criando o Coringa em 2019: Jogue-o na Sociedade.”

Eu achei interessante esse meme por vários motivos. Um deles é a carga conceitual e semiótica presente nessa imagem, que a primeira vista parece simples. Tanto de referências dos quadrinhos quanto de conceitos sociais e filosóficos, como a sociedade é enlouquecedora. Ou nas palavras de Moore: “Basta um dia ruim para reduzir o mais são dos homens a um lunático.”

E é nesse último conceito que eu gostaria de me ater brevemente. A sociedade é enlouquecedora. Acredito que todo mundo tem de vez em quando aqueles dias em que você está de cara com tudo e todos e seu único desejo é sumir, juntar suas coisas e ir morar no meio do mato, longe de qualquer sinal de civilização. Bom, pelo menos eu me sinto assim frequentemente.

Mas a questão é, por que a sociedade nos enlouquece?

Leia também: Três formas de trabalhar o vilão como protagonista

Rousseau vs Hobbes

Para me ajudar a responder essa questão invoco dois camaradas filósofos que já estão mortos há um tempinho. Jean-Jacques Rousseau e Thomas Hobbes. Famosos nas salas de aula do ensino médio, eles têm muito a contribuir nesse debate.

O primeiro irá dizer que os seres humanos são bons por natureza, mas a vida em sociedade os corrompe. Isto é, em sua gênese o homem era puro, paz e amor, mas a partir do momento em que criamos a sociedade somos atingidos por todas as mazelas, a ganância, a corrupção, o jeitinho brasileiro. E isso tem uma origem, um ponto de partida, e essa origem é a propriedade privada. Parafraseando o autor, quando o primeiro vacilão cercou um pedaço de terra e disse “isso é meu” foi aí que começou a dar m*rda.

Já para o segundo, o homem não é bom coisíssima nenhuma, justamente o contrário. A natureza humana é ruim, egoísta, afinal em última instância o instinto de sobrevivência fala mais alto. E é isso que cria o estado original de guerra de todos contra todos, já que quem pode mais chora menos. Daí a famosa frase do filósofo, “O Homem é o Lobo do Homem”. Estado que só é vencido com a criação da sociedade e de um estado forte que tem na coerção e no punitivismo suas principais ferramentas para organizar o caos que é a sociedade.

Vale ressaltar apenas que nem eles nem os outros representantes do jusnaturalismo – corrente filosófica muito popular na época dos dois autores – acreditavam no retorno ao estado natural, ou de origem. Como diriam os avós de Bojack: “A flecha do tempo só marcha para a frente.

Veja também: InduTalk #34 | Coringa e o Setembro Amarelo

Coringa: um debate sobre a natureza humana

Mas o que tudo tem a ver com tudo?

Enfim, se quisermos linkar o meme com os autores iremos admitir que Rousseau assumiria a postura de culpar a sociedade pela criação do Coringa. Dessa forma o vilão não é mau em essência, já que ele preserva dentro de si a semente do homem original. Foi a vida em sociedade quem o enlouqueceu aos poucos, pequenos fatos cotidianos, a crueldade com que o sistema o tratou durante toda sua vida, enfim vários elementos que o tornaram o sociopata sádico que amamos odiar.

Mas para Hobbes, ele sempre foi mal. Ele só não executava suas ações macabras, pois tinha medo. Medo do Estado e seu aparato coercitivo, a saber a legislação penal, a polícia, que faz valer tal legislação, o Asilo Arkham e até o próprio Batman. No entanto, em dado momento ele não conseguiu mais suprimir sua maldade e revelou sua verdadeira fase, como fase os criminosos e os subversivos.

Mas agora, quem está certo? Cabe a você caro leitor fazer sua própria leitura do longa que está por vir e comparar os autores citados com a realidade, mais ou menos como eu tentei fazer aqui. Afinal, nosso intuito aqui foi simplesmente mostrar que Coringa pode ser entendido como um debate sobre a natureza humana.