Toda boa história tem um bom protagonista. Na cultura ocidental tais personagens tornaram quase que heróis trágicos. Inúmeros autores de best-sellers sobre roteiro e storytelling afirmam que um bom protagonista é aquele que consegue despertar a empatia do público. Mas será que é isso mesmo? Você precisa mesmo criar empatia com o protagonista?
Recentemente a internet choveu de comentários de especialistas afirmando que o filme do Coringa seria irresponsável. Houve quem o chamasse de o primeiro heróis incel. Entenda mais nesse post.
Tal crença me parece estar baseada nesse cultura ocidental de que protagonista necessariamente precisa despertar a empatia da audiência, para que esta torça por ele. Caso contrário a história não é boa e portanto o filme irá fracassar.
Isso soa como uma verdade absoluta, se levarmos em conta toda a história das produções hollywoodianas. Quantos filmes de vilões existem? Quantos heróis são antagonistas? Quais histórias já foram contadas do ponto de vista do “cara mau”? Durante tanto tempo vimos produções maniqueístas, onde há o bem e o mal, o certo e o errado.
Anti-Heróis
Claro que nos últimos tempos vivenciamos uma enxurrada de filmes de heróis que elevam isso a níveis absurdos. Por outro lado também experienciamos uma nova onda, cada vez mais crescente, de anti-heróis, aqueles personagens que habitam as zonas cinzas da moral. Personagens como Deadpool, Justiceiro e Venom se enquadram nessa categoria.
Porém tais personagem apenas reforçam essa dicotomia, uma vez que, ao final do dia eles acabam se tornando heróis para deter um vilão ainda mais mau. Pelo menos na maioria dos filmes de vilões ou anti-heróis. Há outras maneiras de trabalhar esse arquétipo de personagem, mas já falamos delas em outro post.
Voltemos agora dessa enorme digressão e pensemos sobre o que falávamos no começo do texto. O protagonista precisa mesmo obter a empatia do público para que a história funcione?
Fome de Poder
Outro dia assisti ao filmes Fome de Poder, The Founder no original. O longa com roteiro de Robert Siegel e direção de John Lee Hancock, traz Michael Keaton no papel principal e traz em sua trama a gênese de uma das maiores franquias de todos os tempos, nada mais nada menos que o Mc Donald’s.
No começo da história você pode até sentir sentar empatia pelo protagonista Ray Kroc, um vendedor de mixers para milk-shakes, afinal ele é como nós um trabalhado assalariado que precisa sobreviver. Ele não é bem sucedido, mas não se dá por vencido.
Contudo no desenvolvimento da trama vemos ele traindo as pessoas que confiaram nele e colocando seus interesse próprios acima de tudo. Tudo pelos negócios. Seria ele antiético ou apenas a cara escrachada do capitalismo americano? Bem, essa não é a questão aqui. O fato é que ele passa por cima de tudo e todos, parceiros de negócios, esposa, os caras que de fato criaram o Mc Donald’s, tudo em nome de sua ganância.
Calma, podem ficar tranquilos que não darei (mais nenhum) spoiler. Mas assistam o filme, vale a pena, Keaton dá um show de atuação. Além disso está disponível na Netflix.
Fome de Poder e Coringa
Agora podemos traçar uma similaridade entre Fome de Poder e Coringa, ambos trazem protagonistas distorcidos, moralmente ambíguos. Eles são maus por natureza ou apenas reflexos da sociedade em que estão inseridos? Qualquer que seja a resposta, uma conclusão me parece lógica, eles não são boas pessoas.
Nas palavras do próprio Kroc: “Se meu concorrente estivesse se afogando, eu enfiaria uma mangueira em sua boca e ligaria a água.”
Ou seja, eles não são pessoas que eu convidaria para um churrasco. E mesmo que alguém possa argumentar que no início de sua trajetória eles eram bons e os outros o trataram como um lixo, isso não os dá o direito de se tornaram grandes babacas. Talvez nesse ponto eu deva concordar com Sartre.
“Não importa o que a vida fez de você. O que importa é o que você fez com o que a vida fez de você.”
Jean Paul Sartre
Em suma o que eu quero dizer é que todo mundo sofre, a sociedade pressiona diferentes pessoas de diferentes maneiras. Basta observarmos os números absurdos de doenças psicológicas e índices de violência urbana. Mas isso é um problema social que devemos corrigir socialmente, juntos. E esses dois longas específicos conseguem levantar questionamentos interessantes nesse sentido.
Contudo ambos não legitimam as ações de seus personagens principais, apenas a explicam. O que não é atestado ou desculpa para ninguém sair por aí sendo babaca com os outros.
Veredito
O que me leva a questão inicial desse texto (que nesse ponto já deve estar longo e confuso). Será que o roteiro realmente necessita que criemos empatia com o protagonista? Será que toda a produção desses dois longas em específico esperava que torcêssemos para seus personagens principais?
Esse não me parece o caso, como já expus acima. Contudo você é bem-vindo para discordar e argumentar nos comentários, desde que o faça de maneira respeitosa.