Algumas animações tem questionamentos importantes. Como é o caso de Invencível e o limite da ciência em tempos pandêmicos.
Invencível é uma série animada da Amazon Prime Video, baseada nos quadrinhos criados por Robert Kirkman para a Image Comics. A primeira temporada está disponível na íntegra no catálogo do serviço de streaming.
A animação fez tanto sucesso que já foi renovada para mais duas temporadas, antes mesmo do fim da primeira.
Boa parte desse enorme sucesso pode ser explicado pela violência gráfica, que tem agradado muito nos últimos tempos. Entretanto, uma questão que ajuda muito, é a complexidade da trama e a capacidade da atração de refletir temas profundos da sociedade enquanto inunda a tela com lutas sanguinolentas entre heróis e vilões uniformizados.
Eu só Quero o Progresso
Um exemplo disso pode ser encontrado no sexto episódio, intitulado “You Look Kinda Dead”, ou “Eu só Quero o Progresso”, na tradução oficial.
O episódio em questão, que estreou no dia 16 de abril, apresenta a personagem D.A. Sinclair, dublado originalmente por Ezra Miller. Aparentemente Sinclair seria apenas mais um vilão da semana.
Mas, no decorrer da trama ele se torna algo mais. Não apenas para o arco geral da temporada, mas para espectadores curiosos e críticos.
Sinclair
Sinclair é o típico gênio das ciências que se julga superior aos demais e trata a todos com desdém. Durante uma aula de biologia na Universidade Upstate, assistimos a um debate entre ele e o professor, onde ele afirma que as “falhas” humanas que levam a degradação do corpo físico são apenas simplesmente problemas de engenharia.
Dito isso podemos entender um pouco melhor sobre a mentalidade desse personagem, a primeira vista tão clichês, mas que fica mais complexo conforme o analisamos.
Sinclair acha que os humanos podem sim ser imortais e viver para sempre, como deuses, para isso basta substituir as partes que “estragam” ou “dão problema” por substitutos mecânicos e tecnológicos. Por exemplo, se você tem algum problema nas mãos, basta arrancá-las e trocá-las por mãos mecânicas.
E não eu não estou exagerando, seu pensamento é simplista assim.
Claro que talvez não TÃO simplista. Afinal ele reconhece que a tecnologia precisa avançar para resolver todos os “defeitos” do corpo humano. E para isso são necessários teste, muitos testes.
Mas qual o empecilho para isso? Ninguém quer financiar tal pesquisa, tampouco ser cobaia.
O resultado? Sinclair precisa sequestrar pessoas e utilizar métodos “caseiros” e no mínimo questionáveis para transformar suas “cobaias” em ciborgues.
Ciência e Ética
A intenção de Sinclair pode até ser vista como nobre, se usarmos um ponto de vista bem dúbio, isto é, ele queria prolongar a expectativa de vida dos seres humanos, usando métodos artificiais. Contudo, seus métodos são extremamente errados.
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O que levanta a questão: qual deve ser o limite da ciência? É certo defender que a ciência pelo progresso possa usar de quaisquer meios para avançar? A ciência deve possuir critérios éticos rígidos?
Recentemente Taika Watiti liberou um curta-metragem animado chamado “Salve o Ralph”, no qual, com o uso muito sagaz da ironia, questiona os testes em animais, segundo a obra, para dar a falsa sensação de segurança aos humanos.
É uma obra comovente, mas forte, que consegue chocar até os mais duros de coração. Afinal é uma espécie de tortura o que fazem com os bichinhos.
Diante disso tudo, não temos como não lembrar dos horrores produzidos por cientistas nazistas em campos de concentração com pacientes humanos vivos. Tudo em nome da ciência.
Mas não são apenas os alemães que são “monstros”. Há relatos de experimentos de médicos e cientistas americanos que espalhavam propositalmente vírus e doenças contagiosas em populações pobres sem controle algum, com o intuito de entender melhor o comportamento de tais infecções.
A BBC cita diversas em um artigo.
Atualidade
Mas, se você acha que esses experimentos são coisas do passado, de um tempo onde éramos mais ignorantes, eu te convido a pensar sobre a pandemia de COVID-19.
É certo um médio recomendar remédios sem comprovação cientifica para um paciente, dizendo ser um tratamento precoce que irá salvar sua vida ou impedir de ser contaminado? Mesmo sabendo que tais drogas não só não previnem ou tratam a doença, como podem causar quadros clínicos gravíssimos, como problemas renais e até problemas no coração.
Um parêntese: não, a comunidade médica e científica não está dividida. A ciência já comprovou que a cloroquina não trata COVID-19.
Outra questão que se levanta no Brasil contemporâneo é sobre experimentos científicos a nível social, como a famigerada “imunidade de rebanho”.
É certo não fazer nada, não agira na esperança de que o vírus contamine logo quem tem que contaminar, e mate logo quem tem que matar? É certo fazer experimento de imunidade de rebanho como o vice governador do Amazonas alega que fizeram no estado?
São perguntas retóricas, claro. É óbvio que as duas situações são abomináveis e contra indicadas, até mesmo por instituições sérias da ciência e da medicina. Mas, elas nos alertam para os perigos de uma ciência que não leva em conta critérios éticos e humanos.
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Por fim, ao final do episódio Cecil Stedman contratou D.A Sinclair, para a Global Defence Agency para trabalhar em super soldados. Isso é ético?
Talvez não seja, mas lembra a realidade. Pois, os mesmos cientistas nazistas foram contratados pela CIA para trabalhar para o governo dos Estados Unidos após o fim da Segunda Guerra Mundial. O que ficou conhecido anos mais tarde como Operação Paperclip.