Existem aqueles filmes que ficam na memória por sua qualidade. Existem também filmes tão ruins que não conseguimos esquecer. Agora, existem filmes injustiçados que ninguém se lembra. Dick Tracy (1990) é um deles.
Em 1989 Tim Burton nos presenteava com o que muitos consideram a versão definitiva do homem morcego. Batman, com Michael Keaton no papel de Bruce Wayne e Burton na direção, elevou os padrões de adaptação de quadrinhos e fez muito dinheiro para a Warner Bros.
O filme trouxe um ar mais sombrio para o cruzado encapuzado, bebendo das histórias em quadrinhos dos anos 80, que restauraram a glória do herói, e desfazendo de uma vez por todas as besteiras advindas do Comics Code – que resultaram na série de televisão dos anos 60 com Adam West no papel principal. Além de mostrar uma Gotham City um tanto quanto gótica, balanceado o ar cartunesco com um tom sério.
Dick Tracy
Porém um ano depois estreava outra adaptação de quadrinhos, que também gerou um buzz enorme em Hollywood, principalmente por envolver figurões da sétima arte. No entanto, ao contrário do longa do homem morcego, esse filme não perdurou tanto, caindo rapidamente no esquecimento.
Estamos falando de Dick Tracy, filme dirigido e estrelado por Warren Beatty, que contou com diversos astros e estrelas de grande por te de Hollywood. O longa foi elogiadíssimo e fez certo sucesso de bilheteria na época, mas diversas confusões de bastidores desencorajaram continuações e o filme acabou ficando como uma relíquia esquecida.
Isso tudo não tira o mérito do longa, que conta com um elenco espetacular, como o próprio Warren Beatty, queridinho de Hollywood nos anos 70 e 80, Al Pacino, Dustin Hoffman e a cantora pop Madonna, que está de tirar o fôlego na pele da femme fatale Breathless Mahoney.
Qualidades
Dentre outras qualidades a que mais se destaca no longa é sem dúvidas a direção de arte, dos visuais caricatos dos vilões, adaptados ipsis litteris da tiras de jornais, aos cenários grandiosos que parecem tirados de uma página de quadrinhos. Tudo muito bem costurado com a paleta de limitada em sete cores, sem variações de tom.
É quase como se você estivesse assistindo um quadrinho clássico. Uma bela homenagem ao trabalho de Chester Gould, cartunista responsável por criar o personagem para as tiras de jornal em 1931.
O relativo sucesso do filme, que faturou 22 milhões de dólares – isso em 90 era muito dinheiro – é sem dúvidas fruto da dedicação de Beatty. O astro já vinha tentando emplacar uma adaptação do personagem que marcou sua infância pelo menos desde 1975.
Mas se com tantos pontos positivos, porque o detetive de capa amarela acabou relegado ao esquecimento? Bom, essa é uma daquelas perguntas que não possuem uma resposta exata.
Problemas
Um dos possíveis motivos seja o conturbado bastidor da produção do filme. Quase uma década após o início de sua cruzada para adaptar o personagem, Beatty conquistou os direitos da HQ e encontrou na Disney um estúdio disposto a tocar o projeto. Com a estreia do filme o estúdio lançou uma campanha muito agressiva de marketing que não agradou muito ao diretor e produtor do longa. Warren achava que toda aquela publicidade não estava de acordo com a criação de uma obra de arte, como era o caso do cinema.
Outro fato que dificultou ainda mais o sucesso de Dick Tracy foram as diversas brigas judiciais em torno dos direitos do longa. A Disney pretendia transformar o detetive numa franquia nos cinemas, à lá “Indiana Jones” ou “007“. Mas o resultado de bilheteria não foi o esperado, o que jogou baldes de água fria nos planos do estúdio. Além disso, após o lançamento uma disputa envolvendo os direitos do personagem chegou aos tribunais, envolvendo Beatty e a empresa da qual ele adquiriu os direitos.
Além disso, outro ponto chave é a linha do tempo. Isso por que o filme estreou apenas um ano após o blockbuster Batman, de Tim Burton. E o que não faltam são comparações entre os dois filmes. Seja pelo tom mais cartunesco, seja por ambos se afastarem do realismo que ronda as adaptações contemporâneas. Ou até mesmo por possuírem um protagonista saído dos quadrinhos, que é apenas um humano sem poderes, mas com preparo para superar os mais terríveis vilões. Isso sem falar em Danny Elfman, responsável pela trilha de ambos os longas.
Enfim
No entanto, enquanto Batman é um questionamento quase que filosófico às obras originais, Dick Tracy é uma belíssima homenagem aos quadrinhos clássicos.
Tudo isso pode ter sido um fator determinante para o público “esquecer” o personagem. Ainda mais no momento atual, com tantas adaptações de qualidade questionável sendo lançadas todo ano. Um pena, o filme não merecia esse fim.